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Kitty and the Bulldog: moda lolita e a influência britânica

01/12/2012 2012-12-01 00:01:00 JaME Autor: Geisha Tradução: Nasake

Kitty and the Bulldog: moda lolita e a influência britânica

O Victoria and Albert Museum em Londres apresenta uma exibição de moda de rua japonesa


© Nina Kefer
A moda lolita recebeu uma recepção mista no Ocidente. Enquanto alguns fãs deram boas-vindas à oportunidade de aproveitar roupas que revelam menos que a alta moda de rua contemporânea, a mídia tem a tendência a interpretar sua tentativa de fofura como boneca como uma falta de vontade de encarar a realidade, ou lares que fazem referência ao romance de Vladimir Nabokov, "Lolita", suspeitando uma conexão com pedofilia. Até mesmo fãs da cultura pop japonesa e os departamentos de Estudos Japoneses de universidades frequentemente se esforçam em diferenciar entre moda de rua japonesa e outros fenômenos culturais, como o cosplay e o visual kei. Então como o Victoria and Albert Museum, o maior museu do mundo sobre arte decorativa e design, apresenta a moda lolita?

O V&A não é um desconhecido para a moda de rua. Em 1994, o museu apresentou uma exibição sobre moda de rua britânica, em colaboração com o antropólogo e autor Ted Polhemus intitulada Streetstyle: From Sidewalk to Catwalk ("Moda de Rua: Da calçada para Passarela"), que mostrava 50 anos de tribos de estilos britânicos, desde teddy boys ao cyberpunk. Em 2003, realizou a festa Gothic Halloween como parte de seus eventos Friday Late ("Sexta à Noite"), com maquiagens feitas pela marca MAC, leitura de cartas de tarô, um mágico, visitas monitoradas às exibições mais macabras do museu, exibição de curtas obscuros, um carro fúnebre vitoriano, e o DJ Steve Weeks tocando músicas da seminal boate gótica de Londres, Slimelight. Em 2004, o museu mostrou uma retrospectiva dos trabalhos de Vivienne Westwood que, junto com o assessor do Sex Pistols, Malcolm McLaren, criou peças essenciais da moda punk como as bondage trousers e alcançou a fama mundial como estilista. E em 2011, uma comunidade de lolitas alemãs encenou um desfile de moda educacional em conexão com a exibição Art & Design for all: The Victoria and Albert Museum ("Arte e Design para todos: The Victoria and Albert Museum"), no Bundeskunsthalle, em Bonn.

Kitty and the Bulldog, uma referência à Hello Kitty e ao animal que é popularmente usada para representar o Reino Unido, é parte de uma exibição maior, a British Design 1948 - 2012: Innovation of the Modern Age ("Design Britânico 1948 - 2012: Inovação da Era Moderna"), que foi criada para dar boas-vindas aos Jogos Olímpicos de Londres. Ela mostra sete exemplos de estilos lolita que refletem a influência britânica e dois exemplos de lolita e estilos relacionados que mostram o retorno da vestimenta tradicional japonesa. A mostra é dividida em quatro seções: sweet, gothic, punk e wa-lolita, e cada seção é acompanhada por uma breve explicação do estilo e um desenho ilustrando a influência britânica que ele possui. Todas as roupas e acessórios foram adquiridos no Japão pelos curadores da exibição, Rupert Faulkner e Pauline Le Moigne.

As primeiras duas mostras são dedicadas ao sweet lolita. Um vestido de algodão vermelho coral e esbranquiçado da Innocent World, com uma saia em formato de sino, típica da moda lolita, cheia tules de renda e estampas no estilo rococó de anjos e coelhos, mostra um lado mais clássico do estilo. A roupa é completada com uma sombrinha branca e uma cesta de vime carregando um par de coelhos de tricô. A marca popular de sweet lolita Baby the Stars Shine Bright é representada em duas vestimentas: uma de sua linha principal e outra de sua sub-marca, Alice and the Pirates. Os vestidos branco e azul claro e os laços de cabeça destacam a influência do romance de Lewis Carroll, "Alice no País das Maravilhas", como peça-chave do estilo. O vestido da Baby é acompanhado por sapatos de bailarina rosa, estilo "festa do chá", e uma bolsa de cor pastel no formato de um relógio, enquanto o avental branco e o grande coelho preto de pelúcia, que é na verdade uma bolsa, completam a roupa do Alice and the Pirates. As roupas, que são apresentadas de uma maneira bastante científica em manequins sem rosto, são muito bem combinadas e até mesmo os pés dos bonecos são ligeiramente virados para dentro, para emular o jeito de andar da moda lolita.

O gothic lolita é personificado pela Moi-même-Moitié, a marca do guitarrista de rock visual Mana, famoso pelo Malice Mizer e o Moi dix Mois. O elegante vestido preto de mangas compridas com o esquema de cores preto e azul marinho, característico da marca, e decorado com um tule de renda bordado, mostra a silhueta ligeiramente mais afinada típica do estilo. O vestido é complementado por um chapéu igual, uma bolsa preta e azul marinho e uma sombrinha preta. A influência da moda gótica ocidental, que teve sua origem na Grã-Bretanha, e o vestido de luto vitoriano estão aparentes no design de crucifixo usado no vestido, na bolsa e no bordado da renda, assim como no formato de morcego da bolsa. Um longo casaco aristocrata da Alice Auaa, com detalhes de espartilho em torno da cintura e retalhes de tecidos brancos descendo das mangas, coroado com um chapéu preto e uma bengala, estabelecem o ainda mais gótico acompanhante masculino da vestimenta feminina do Moitié.

O tema masculino e feminino continuou com o punk lolita e sua referência ao punk rock britânico e aos designs icônicos de Vivienne Westwood. A versão feminina do estilo, cortesia da Putumayo, conseguiu parecer mais fofa do que rebelde com uma camisa preta e um tutu com estampas punk e detalhes em xadrez, compensado com acessórios prateados, luvas de teia de aranha e uma bolsa em formato de um gato esfarrapado de um olho só. A versão masculina, exemplificada pela Sixh. e MINT Neko, com seu top de capuz e uma saia assimétrica feita de tecido xadrez preto e vermelho, acessórios de alfinete e uma bolsa de um gato de rua igualmente esfarrapado, focam mais no lado agressivo do que no fofo do estilo.

A lolita japonesa, ou wa-lolita, foi mostrada em duas aparências bem diferentes. O exemplo masculino, ou unissex, do estilo foi representado pelas criações de vanguarda de Takuya Angel, que combinam tecidos reciclados de quimono e o molde de corte tradicional japonês com detalhes do cyberpunk ocidental. A versão feminina é personificada pelos designs subestimados de Mamechiyo Modern. É preciso examinar de perto o quimono de cores gentis para notar suas irônicas dobras ocidentais, como a bolsa coberta de renda no estilo dos anos 50, o chapéu e a gargantilha, que pareciam ter influências vitorianas, ou o obi com estampa de coelho, que remete à "Alice no País das Maravilhas".

Kitty and the Bulldog é uma exibição pequena, porém importante. O Reino Unido teve sorte em ter menos controvérsia sobre a moda lolita em comparação à Europa continental, onde as lolitas brincam de apontar erros com as concepções errôneas achadas nas reportagens da mídia sobre a moda e seus usuários. Contudo, quanto mais o cenário lolita cresce e se torna mais proeminente, o interesse do público em geral também cresce. Como Kitty and the Bulldog foca nas influências britânicas, seus criadores entendem com clareza as forças criativas que dão forma à moda lolita e a exibição as comunica extremamente bem.

Além disso, o V&A abraçou a comunidade local de lolitas realizando alguns eventos, incluindo um Friday Late chamado Loli-POP!, com debates com Rupert Faulkner e Pauline Le Moigne, Philomena Keet, antropóloga e autora do "The Tokyo Look Book" ("O Livro do look de Tóquio"), e Pat Lyttle, autor do "Japanese Street Style" ("Moda de Rua Japonesa"), uma cabine de purikura, uma trilha de fotos com áreas dedicadas ao sweet, punk, gothic e wa-lolita, uma demonstração de quimono, um workshop de elaboração de bijuterias, balcões de unha, cílios e perucas, uma exibição do "Kamikaze Girls" ("Garotas Kamikaze"), uma adaptação em filme do romance de Novala Takemoto sobre a amizade entre uma lolita e um ianque, DJs tocando J-pop e J-rock, e o Grand Alice Finale ("Grande Final de Alice"), com leituras de "Alice no País das Maravilhas" e dançarinos de ballet vestindo roupas da Baby the Stars Shine Bright. Mais recentemente, o museu ofereceu um debate na galeria com um dos curadores, explorando a conexão entre a moda lolita e a vitoriana, o gótico ocidental e o punk.

Se o altamente respeitado Victoria and Albert Museum consegue mostrar que lolita não é fetiche ou uma forma de escapismo de adolescentes desajustados, mas uma moda de rua divertida e bastante criativa, esperançosamente a mídia e o público irão entender. Afinal, o Reino Unido tem uma longa tradição em tolerar excêntricos e a moda de rua é uma das suas exportações mais bem sucedidas.

Kitty and the Bulldog é uma exibição gratuita em cartaz até 24 de fevereiro de 2013 na Toshiba Gallery do V&A.
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